Flutuando

Flutuando
Por Russo Aquático

Eu caminho sobre a água,
Como Ele fez um dia...

Será que tinha prancha?

Tem onda no Mar da Galiléia?!

A isto rendo respeito
E, portanto, igualmente me curvo,
Em agradecimento!

Não me canso!

Apesar da fumaça,
Do lixo,
Da gordura,

Do tempo que falta a todos,
Do dinheiro, da cobiça,
Do lucro demasiado,

Do sufoco desnecessário...

É uma brincadeira
De correr pelo impalpável,
Abraçar o imprevisível
E preparar o pulmão
Para as pancadas da Mãe Natureza!

No contexto do mar,
Não há como fazer planos.
Cabe à ousadia do homem,
Pelo menos, tentar respirar.

Posso cercar as marés;
Seguir os ventos;
Ver os mapas;
Estudar os fundos;
Esperar a ondulação:

Norte, Sul,
Leste, Oeste,

Outono, inverno,

Sudoeste, sudeste,

Primavera, verão,

Areia,
Pedra,
Coral,

Perfeição!

Ou deixar-me levar,
Relaxado, pelas correntes,
Com o receio de todas as mães,
Rogando à sorte:

“Sejam clementes as águas”. 

Contanto que ela venha,
Para carregar o meu peso

E levá-lo embora,
Como as flores do Ano Novo,

Me sentirei seguro!

Se não me leva, contudo,
Não me esculacha!

Levanto-me, remo, recomeço,
Por muitas horas,
Por muitas eras.

Neste parque de diversões gratuito,
Eu me sinto TODO VIVO!

Mas, às vezes,
Ela se invoca.

É injusta...

Com seus montes líquidos,
Massacra inocentes.

Por quê?!

Talvez para poupar suas almas
De uma dor pior que viria.

No Oriente não há mais surf,
Onde o homem extrapolou a ciência.

Ou por mero acaso...

Talvez não haja um Guia?

Eu não sei...

Mas, quem desenhou essas pistas,
Que, desde menino,
Tento imitar nos cadernos de escola?

São verdes-água,
Com dégradé para azul-piscina,

Num instante.

Em outro, são transparentes
E vê-se a luz do sol:

Lá dentro um expert
Singrando feito um jato,
Por entre a vítrea cortina,
O oco do tempo.

Azul marinho, com espumas brancas,
Nas paredes de mar profundo
E água fria.

Amarronzadas as que trazem

O produto dos valões.

Infelizmente,
Dão belas manobras,
Mantendo-se a boca fechada.

Desrespeitoso descalabro dos rios...

Absurdo vilipêndio da vida

Que me agride
E entristece.

Existem, porém,
Aquelas dos sonhos,

Secretas...

Desvirginadas, apenas,
Pelas quilhas e lentes;

Transportando,
Lá de loooonge,
Um pranchão solene,

Fazendo ésses,
Surfando bicos,
Divagando...

Tranqüilo,
Sorridente!

Extasiado e sereno,
Orando sozinho,
Em lágrimas de alegria (!),
Por sua inteireza com o Cosmos,

Interativa,

Que só seus amigos compreendem,

Pelo achado de tão pouco valor,
Para os que não são da tribo...

Mosquitos, aves, cabanas...

_ Maluuuuco,
Acho que vi um TIGRE!

_ Calma!

Pode ser aquele macaco
Que roubou a parafina...

Sobrevivi a mais uma

Com os pés cortados
E um sorriso constante!

No fim da tarde,
Amareladas e ruivas,

Como a cerveja gelada
Que as pernas cansadas cura,
À espera do banquete ritual.

À noite,
Fosforescentes,

Ribombando ao fundo,

Embalam o sono imperturbado,
No colo da mulher que me ama,
Sob a lua, ao lado da fogueira:

Nua, quente, linda,
Meiga, farta, lânguida!

VIVA O TÃO LIVRE QUE SOMOS!

Quando a manhã reacende,
Eu não me atrevo muito.

Meu nado não é mais o mesmo,
Agora aos trinta anos...

Minha coragem
Sempre foi lúcida.

Se me mato hoje,
Não vou poder brincar de novo.

Quero ir até os setenta

E não sei quantos...

Ereto,
Reto,
Na espuma gelada,

Brincando,
Com os ossos tortos
Que me sobraram.

Mas, já ousei!

Restando aquela dúvida
De não saber para onde ir:

Volto para a areia
Ou durmo aqui?

Mais um garoto tentando
Mostrar-se impassível e forte,
Não obstante a tremedeira dos dentes
E a série crescendo,
Acima do horizonte!

Mais uma história de aventura,

Para contar,
Aprimorada,
Aos meus netos!

Não tenho mais nada a provar...

Embora Jaws, Todos os Santos,
Pico Alto, Maverick’s,
Sorriso e Waimea
Ainda me assombrem,

Com um fascínio sinistro
Pela BESTA

Que nunca foi dominada.

Sei com o que estou lidando...
Já estive lá embaixo,
Chacoalhando como roupa lavada.

“O mar não tem cabelo!”
Já dizia meu avô,
Pescador italiano.

Um dia, quem sabe...

Se acontecer,
Preciso estar preparado.

Ah!
Deixa isso para lá!

Só quero, de novo, aquele momento

De felicidade indescritível
Que os golfinhos também conhecem,

De água, vento e velocidade,

De CURVAS:

Parábolas, Cúspides,
Cilindros, Centrífugas,

Círculos, Cones,
Volutas,
Espirais...

Batidas, rasgadas, aéreos
E TUBOS!

A distorção quadridimensional dos planos,

Na qual os ases voam:

Enquanto eu flutuo,

Como os Reis do Pacífico faziam,

Aparentemente por nenhum motivo,
Além da diversão!

Abram alas
Minha mãe Iemanjá,
Meu pai Poseidon:
Ele vai passar!

É um milagre!
Todos estão atônitos,
Urrando de emoção!

Hipnotizados
E sinceramente sorrindo!

Deve ser esta
A prova cabal
Do Divino Criador:

Bem aqui no meio do nada,
Ao lado de um mar que é morto,
Ela baila, cheia de vida!

E Ele continua caminhando,
Ao meu lado, nesses momentos.

"Sejam legais com seus camaradas.
Qualquer um pode ser seu camarada...

Amai o próximo como a si mesmo.
Imagine-se como aquele cara na onda.
Espere a sua e aproveite!
Respeitar o mar já é um começo..."

Afinal, quem as desenhou?!

Graças a Deus!
Obrigado!

O SENHOR é meu pastor
E onda não faltará!

2 comentários:

Hippies de Ray Ban disse...

Belíssima onda, Russo! Pra quem conhece teus textos dos tempos do Picuruta Salazar tu tá no nível Gabriel Medina!

Bruno Moreira Lima disse...

Valeu Ulisses! Grande abraço e boas ondas, irmão!