sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Temporal

Temporal

Chove.

E a viela decadente retoma
Seu cheiro característico,


Eis que a bosta brota do bueiro,
Como se quisesse vingar as árvores,
Que, inadvertidamente, foram ceifadas.


Chove.
E o asfalto novinho racha,
Fazendo verter a água fétida
Que aguardava no subsolo.


Chove.
E os acidentes proliferam,
Nas curvas centrífugas mal projetadas
Que retém o óleo dos carros.


Chove.
O trânsito pára.
O povo reclama.


Chove.
E os barracos desabam,
Construídos nas áreas de risco,
Referendadas pelos políticos,
Em troca do livre sufrágio.


Chove.
E as crianças não vão para a escola,
Com medo da lepitospirose,
Porque os ratos saíram à caça,
Fugindo dos imundos charcos.


Chove.
E a maquiagem urbanística borra,
Imagem que será retocada
Com muita propaganda e falsos benefícios.


Chove.
E, embora pagas na íntegra,
Ainda estão em projeto
As obras da tragédia passada.


Chove.
E as artérias ficam à mostra,
Da corrupção atroz desfaçada,
Sugada da infra-estrutura.


Chove.
E surgem os vendedores
De guarda-chuvas e casacos,
Enquanto os outros fogem,
Porque vendem na rua,
Pois não têm direito a outros espaços.


Chove.

O rico suspira
E vê poesia

Na gota pesada.

O pobre sofre
E asfixia,
No bafo e no mofo,
Dos trens e dos ônibus.


Chove.
A verdade vem à tona.
A cidade mostra seus cascos.

 

2 comentários:

Marco Antonio Martire disse...

Aprecio seu temperamento que não se conforma, que vaza para poemas como este. O poeta não deve se calar, a missão persevera no coração... alertar, educar... a sina. Um abraço!

Bruno Moreira Lima disse...

Valeu Marcão! Aproveitando o mote: "Água mole em pedra dura..." Hehehehe. É o que devemos fazer. E não deixa de ser uma sina prazerosa essa nossa, não é mesmo? Grande abraço!