quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A cidade maravilhosa

A cidade maravilhosa
Por Russo Lúcido

A cidade maravilhosa
É feia.


Cheia de buracos, rachaduras e matinhos,
De casas e pessoas caindo aos pedaços,
Doentes e cansadas
Por falta de cuidados.


Ouso dizer -
Que me xinguem -
Vejo isto há muitos anos:


A cidade maravilhosa
É feia!


Não é favorável a seus viventes.
A propriedade é impagável.


É IMORAL!

Seu aluguel é caríssimo.
O trânsito insuportável.


Basta olhar pelos ônibus,
Que passam aos montes,


Esses horrendos produtos das máfias,
De tarifas usurárias,
Que, alquebrados, entulham
As ruas mal ordenadas.


A cidade maravilhosa
É feia.


Cheia de miséria.

Entupida de barracos.

Faltando-lhe árvores, calçadas
E serviços públicos que funcionem...


Seu mar, tão cantado,
É poluído.


Vá comer um peixe
Em qualquer quiosque
E, se não morrer de salmonela,
Morrerá numa nota!


A hipocrisia e a desgraça
Habitam suas esquinas,
Assim como os bandidos,
Os bebados e os drogados.


A sujeira é infinita.
O fedor indisfarçável.


O que dizer da maldita "pedra portuguesa"?!

Sim!
A cidade maravilhosa
É feia...


O carnaval,
Superestimado,


O futebol,
Mal jogado e vendido,


A loteria esportiva,
Nada confiável,


A afamada "carioca" típica,
Marrenta e mediana,


O "malandro" de voz chiada,
Otário,


Os bicheiros,
Os traficantes,


A cerveja quente
No sol escaldante,


A segurança,
A educação,
A saúde,


Falhas,

A televisão,
Esse espetáculo de imbecilidades,


Uma imprensa de comércio e cinismos

E as demais enganações e pilantragens
São nossas marcas registradas!


A cidade maravilhosa
É feia.


Vejamos o governo...

Não, não vejamos.

Vai dar dor de cabeça...

Basta dizer
Que os impostos,
Repasses, tarifas e demais tributos
São inócuos, pois malversados,
No seu financiar de lavagens de dinheiro,
Em licitações fraudulentas, de cartas marcadas.


Basta dizer isto.

Porque,
Infelizmente,
Isto é tudo.


A cidade maravilhosa
É feia.


Vai sediar uns jogos

E vamos ver os gringos
Ganhando um monte de medalhas,
Enquanto os nossos atletas
Sofrem para manter o ritmo
Na cidade que os esquece.


Assim, do nada,
Por conta disso,
A cidade maravilhosa,
Que tem certa natureza vistosa,
Virou um paraíso!


E cá estão milhares de negociantes
Para sugar a última gota
Da nossa pobre menina desorientada,
Virando ainda mais suas costas
Para seus filhos. 


A cidade maravilhosa,
Coitadinha,


Que já é feia,

Vai ficar horrível.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ela e a onda

Ela e a onda
Por Russo Terral

Aquele instante
Continua sendo
Todo o meu leitmotiv.


Como se o próprio Deus
Houvesse dobrado,
Com as Suas mãos,
Um lençol de seda

Azul esverdeado,
Em forma perfeita
De cone espiralado,
Para abrigar-nos.


Numa cornucópia eterna
De abastança e amor!


E lá estaremos,
Aconchegados.


Em nossos prórios corpos;
Em nosso próprio cheiro;
Dentro de nosso calor!


É para tal instante
Que destino
Minha existência,
Meu espírito,

Todos os meus pedaços.

Lá estão os meus desejos
E, por sorte, hoje, ao meu lado,
Para sempre e feliz,
Espero...


Ela!

E volto!

Como outrora,
No tempo, no espaço


E na idade!

Por dentro da natureza!
Por dentro da vida!
Por dentro do amor!


Eu vôo!
Eu urro!
Eu explodo!


E ela sorri,
De olhos fechados.


As águas amansam...
O pulso decresce.
Ela quer de novo.


Eu pego fôlego
E tento ser mais.

Ainda mais eu
Do que antes...


Navegante,
Nas abóbadas fartas


De nossos harmônicos nós!

sábado, 3 de novembro de 2012

O Aniversário do Supermercado

O Aniversário do Supermercado
Por Encarregado Russo

A matemática falha,
Assimilada com dificuldade
No aprendizado intermitente -
Afinal interrompido,
Pela dificuldade financeira -,
A fazia passar
Por constrangimentos como aquele.


Em seus olhos via-se esperança.
Mas, a impaciência, que rugia,
Nos olhos da moça do caixa,
Embotava, com vergonha,
A conta cuidadosa,
Feita de artigo em artigo.


Vislumbrava, em soslaios breves,
Os outros carros da fila,
Abarrotados de tanta maravilha,
Que a alegria mensal faria
Das pessoas de boa família e classe média.


Aquela gente, sim, podia!

Com a renda, segura, auferida
Nas repartições estatais, nas secretarias,
Nas empresas comerciais,
Nas faculdades,
Nas mais-valias,


O que ela não conseguia,
Talvez, por ter largado os estudos,
Para pegar no pesado, infecundo,
De um peso pelo qual se culpava,
Das faxinas que brilhavam,
Nas suas mãos calejadas.


E lembrava do filho,
Enquanto passava as compras.


Não queria, para ele,
Somente aquilo:


Um desinfetante de pinho,
Uma garrafa de água sanitária
E um sabão em barra.


Um saco de macarrão,
Do mais barato, parafuso,
Um pacote de feijão,
Uma lata de polpa de tomate,
Duas cebolas, um alface.


Milho?
Bem que eu queria...
E uma sardinha em lata.


Fecharia a conta humilde,
Do dinheiro, contado, curto,
Com a folga de alguns centavos,
Levando a bandejinha de carne:


Um acém de aspecto azulado,
Mal nutrido e mal pesado,
Com hesitação selecionado,
Entre tantas outras coisas
Que ficaram no carrinho.


_ E o resto? -
Indagaria a caixa.


_ Não vai dar, eu acho, minha filha...

Pondo alguma dignidade na dúvida,
Voltava o olhar baixo
Para o encarte especial
Da revista sobre concursos públicos.


Opa!

Esse pode!
Ele tem o ensino médio!  


O pai foi-se embora,
Com o menino ainda pequeno.
E qual camisa daria o emprego
De atendente de telemarketing
Ou motoqueiro?


Um menino tão travesso.
Um menino tão inventivo.
Um menino tão bonito.
E nós dois sozinhos
Naquele barraco.


Sozinhos...

_ E a carne, minha senhora?

De súbito, ousou um sonho.

Naquela revista estava o futuro!

E o acém foi parar no cesto
Dos produtos abandonados
Pelos que deles queriam ser donos,
Até a impiedosa barreira
Do princípio da escassez.


_ Troca pela revista. -
Concluía a senhora,


Deixando a carne que vai ser moída,
Redistribuída,
Ou jogada no lixo,
Para ver a sua preservada.